Você já ouviu falar do Movimento Black Money? Este é o nome para a iniciativa que estimula a circulação de dinheiro dentro da comunidade afrodescendente no Brasil. O termo em inglês é uma gíria para falar do “dinheiro sujo” ou dinheiro ilegal. Aqui, no entanto, vem crescendo seu uso para denominar o capital que é transferido de negros para negros.
Nina Silva, uma das fundadoras do movimento é conhecida pela frase: “Se não me vejo, não compro”. Ou seja, porque comprar de empresas que não têm a preocupação de empregar negros, conversar com o público negro, entender sua luta e representá-lo?
Desigualdade: Abismo Econômico
Alguns dados nos mostram a disparidade em que estamos mergulhados. A renda per capita de um negro é a metade da de um branco. Segundo dados do IBGE, a pobreza extrema, que é quando a pessoa vive com menos de US$ 1,90 por dia, atinge 8,8% da população negra no Brasil e 3,6% da população branca.
Atualmente 54% da população brasileira é negra, mas, entre os desempregados, os negros somam 64%. Uma pesquisa do Instituto Ethos, divulgada pela Revista Piauí, mostrou que os negros ocupam apenas 4,9% das cadeiras nos Conselhos de Administração das 500 empresas de maior faturamento do Brasil e apenas 6,3% dos cargos de gerência. Não é preciso muito para entender que os negros estão em grande desvantagem econômica no Brasil.
E o que tem a ver a desigualdade com o Black Money?
Alguns povos são bem conhecidos por fazerem negócios entre si. Há uma preocupação dentro de algumas comunidades em empregar, indicar e financiar seu próprio povo. Esta é uma forma de enriquecer a comunidade. O Movimento Black Money caminha nesse sentido. Nina afirma que fazer o dinheiro de um negro cair em mãos negras é uma via de mão dupla porque, ao contribuir para a ascensão financeira de outros negros, a população negra como um todo se favorece e cresce junto.
Polêmica
E se uma pessoa branca falasse que só vai comprar de pessoas brancas? Como isso seria ouvido e que repercussão teria dentro da comunidade negra? Uma péssima repercussão talvez. Isso provavelmente seria visto como discriminação.
Ora, talvez uma pessoa branca, por processos de identificação, compre majoritariamente da comunidade branca também – sem se dar conta. A questão primordial é: a comunidade branca no Brasil, como grupo, é a que detém o dobro da riqueza da comunidade negra.
Então, não estamos falando de empobrecer a comunidade branca, mas de enriquecer a comunidade negra; de proporcionar mais oportunidades; de valorizar estas pessoas que travam uma luta histórica para se livrar dos grilhões da escravidão.
Nesse sentido, o Black Money não visa empobrecer outras comunidades, mas fortalecer uma população historicamente explorada (escravizada) para que a desigualdade diminua pouco a pouco (já que não estamos conseguindo fazer isso rapidamente como seria ideal).
Psicologia e Racialidade
Como psicóloga negra tenho imensa satisfação em atender pacientes negros, brancos e de outras etnias. Há algo de humano que nos é comum a todos nós. No entanto, na faculdade de Psicologia não tive um(a) professor(a) negro(a) sequer. Escolhi uma psicóloga e psicanalista negra para supervisionar meus atendimentos, depois de formada.
Fico muito feliz ao ser procurada pela comunidade negra porque o cuidado com a saúde mental do negro é duplamente importante: primeiro porque a pobreza e o sofrimento mental caminham juntos, e segundo porque a discriminação é uma experiência que deixa marcas profundas no psiquismo humano. Ora, se a comunidade negra no Brasil ainda é a que desfruta de menos riqueza e se é uma comunidade ainda rechaçada pelo preconceito, é uma comunidade que precisa de bastante cuidado psíquico.
Nesse sentido o Black Money é enriquecedor. Escolho alguém que luta a minha luta para me vender algo ou prestar um serviço. Essa pessoa se empodera e pode também contribuir para empoderar outros.
Fontes e referências:
https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2019/11/20/consciencia-negra-numeros-brasil/
https://movimentoblackmoney.com.br/geral/
https://exame.com/bussola/vozes-o-que-e-black-money-e-por-que-esse-movimento-vem-crescendo/
